qual o tamanho da sua dor?
eu acho que melhorar é um sonho distante e utópico. então, já que isso eu não posso ter, eu realmente gostaria que ao menos minha dor pudesse ser visível a olho nu. ah, que bom seria se ela se materializasse em algo que qualquer um pode perceber, sem necessidade de explicação.
já consigo imaginar tudo!
apenas uma pequena incisão no meu crânio já seria o suficiente. o conteúdo que tem na minha mente lentamente pairaria até o mundo externo, onde vive toda a gente da vida real. primeiro, viria um odor pútrido que deixaria todos ao redor enjoados. teria uma pequena fumacinha negra que começaria a sair, e, de repente, um pouco de sangue seria derramado, manchando todo o lugar que eu fosse com tons de marfim, impossível de limpar, com aquele cheiro insuportável. a pele, carne e ossos em volta do pequeno furo iriam se desfazer como se apodrecesse e esse buraco se tornaria maior e maior. logo, logo a fumaça se tornaria demais e os ambientes onde eu estivesse ficariam empesteados, sujos e de visão limitada, como se uma névoa preta impedisse que todos olhassem em volta. o sangue já estaria jorrando, e seria quando uma mão forçaria a própria saída da minha mente ao mundo real. o buraco seria aberto à contragosto, em uma cena repleta de barulhos grotescos, e pedaços do meu cérebro estariam presos ao que se revelaria ser um monstro cujo tamanho sequer se pode estimar. sua pele não pode ser tocada, construída apenas de sonhos não realizados, medos, ansiedades e angústias que criam uma superfície em forma de nuvem negra. essa criatura iria se arrastando pra fora da minha cabeça e eu ainda estaria acordada e imóvel, observando em horror assim como todos ao redor que ainda não saíram correndo pra longe de mim. ela seria mais alta do que todos, mas não gigante, de início. ninguém a pode impedir: ela não existe, e se você tentasse encostar nela, sua mão a atravessaria. ela é mera invenção, uma metáfora. seus olhos inexistentes me avistariam e então, ela enfiaria sua mão nojenta na minha barriga e arrancaria minhas entranhas centímetro por centímetro. outro orifício se formaria ali e, por ele, a criatura arrancaria órgão por órgão até que meu corpo fosse uma casca de carne, sem nada dentro. lágrimas salgadas escorreriam dos meus olhos antes que eles também fossem arrancados, e eu estaria milagrosamente acordada e consciente durante todo o processo. as pessoas se perguntariam "por quê ela não reage? por quê ela não luta contra isso?"
até o momento em que, do meu cadavérico ser, começassem a sair mais monstros aterrorizantes idênticos a aquele. a criatura que me abriu ficou maior, se alimentando da dor e tristeza que sinto, e assim se tornariam reais centenas e milhares de bichos tenebrosos que se alimentariam das menores inseguranças de todos que se fizeram essas perguntas. as pessoas então teriam suas dúvidas sanadas, pois um feitiço mágico faria com que elas ficassem incapazes de se mover, condenadas a assistirem enquanto todo o seu futuro é destruído juntamente de seu corpo. os monstros começariam a dominar cidades e ficarem gigantes como uma legião de titãs do corpo torto e maquiavélico. não existiria sentimento na terra além do medo e tristeza, já que todos saberiam que aquele era o fim. em pouco tempo, as criaturas seriam intergaláticas. todos veriam o tamanho da agonia que se passa no meu coração todos os dias através das figuras fantasmagóricas que seriam as das criaturas, apenas seus bustos que olhariam os pecados de todo ser vivo na terra diretamente do céu. e quando a solidão da humanidade não fosse o suficiente pra causar saciedade nesses seres místicos, eles, finalmente, consumiriam o planeta inteiro numa só tragada.
e mesmo assim, haveriam aqueles cujas últimas palavras seriam "que drama!", "vai começar", "ela só se lamenta" e "ela não tentou lutar contra isso".
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