Diário de euranni

Fragmentos do passado

Sábado, 08 de Fevereiro de 2025.

Fragmentos do passado Público
Hoje decidi enfrentar os cantos entupidos de memórias que minha casa acumula. Enquanto esvaziava gavetas e arrastava móveis, encontrei uma caixa empoeirada sob a cama - um baú de Pandora doméstico. Dentro, cartinhas de anime amareladas, chaveiros de personagens que não lembro o nome, um ursinho sem um olho que jurou proteger meu sono em 2006. Objetos inúteis, disseram meus dedos ao jogá-los no lixo. Fragmentos de uma eu que insistia em não morrer, corrigiu minha garganta apertada.

Cada item era um fóssil de ingenuidade: acreditava que guardar coisas equivalia a preservar quem fui. A menina que colecionava papéis coloridos não imaginava que, um dia, alguém a chamaria de "ingênua" por acreditar que felicidade cabia em enfeites de plástico. Ela não tinha um futuro para temer, um espelho para evitar, ou a obrigação de performar "adultices". Sua única urgência era descobrir quantos gibis cabiam debaixo do travesseiro.

Ao fechar o saco de lixo, percebi que não estava descartando objetos, mas enterrando versões. Como a música de Nenhum de Nós - "O tempo passa, mas nem tudo fica" -, eu era agora a coveira de minhas próprias relíquias. Mas há um detalhe que a canção não menciona: o passado é um cadáver que sangra mesmo depois de sepultado. Cheirei o álcool das mãos, misturado ao pó das lembranças, e ri de mim mesma. Afinal, quem sou eu hoje senão uma sobrevivente de todas as que já fui?

E então, no meio da sala arrumada, senti o vazio paradoxal que só a ausência de bagagem traz. As paredes pareciam mais largas, as prateleiras mais frias. Percebi, com um frio na espinha, que limpar a casa é um exorcismo íntimo: expulsamos fantasmas, mas eles deixam marcas de umidade nas paredes. Restou a pergunta - a única que importa - ecoando entre os móveis realinhados: "O que guardaremos no lugar do que foi descartado? E quando essa nova coleção também virar pó, quem estará aqui para rir de nós?"


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